Denúncia interna e auditoria da CGU revelam fraudes na saúde de Natal, com agendamentos irregulares no sistema de regulação, logins fantasmas e controle precário. Pacientes são invisibilizados enquanto servidores furam regras.
No início do ano, o Blog do Dina recebeu um relatório produzido por um servidor municipal que denunciava, com números detalhados, a existência de fraudes na saúde de Natal. O documento revelava que pacientes estavam sendo inseridos e autorizados diretamente por servidores sem respeitar a ordem cronológica da fila.
Casos graves foram identificados: uma consulta vascular foi autorizada em apenas sete dias, enquanto o sistema indicava que pacientes de janeiro de 2023 ainda aguardavam atendimento. Em outro exemplo, uma consulta de dermatologia geral foi agendada sem que a paciente estivesse sequer inserida na fila, enquanto o sistema regulava pacientes de dezembro de 2022.
Foram listadas mais de 40 autorizações com desrespeito explícito ao fluxo regulatório. O relatório também citava agendamentos feitos por uma diretora do DRAC-SMS, cargo que, segundo o próprio regimento interno, não permite função de regulação, o que configuraria ilegalidade e quebra do princípio da isonomia.
Desde então, o Blog do Dina tenta confirmar o teor da denúncia e conseguiu num relatório explosivo da Controladoria Geral da União feito analisando o sistema de regulação de Natal entre 2022 e 223. A denúncia antecipa, na prática, muitos dos achados formalizados depois pela Controladoria-Geral da União. Ela mostra que a percepção de descontrole não era exclusiva dos órgãos de fiscalização externa, mas também compartilhada por quem opera o sistema por dentro.
Fraude na Saúde de Natal: Uma Regulação à Deriva
CGU Aponta Graves Irregularidades na Regulação de Natal Sob Álvaro Dias
Entre 2022 e 2023, a Controladoria-Geral da União (CGU) investigou a regulação de atendimentos ambulatoriais em Natal. O que encontrou foi um sistema desorganizado, permeável a fraudes, onde a fila para consultas funciona à margem da transparência. O relatório, que se baseia em dados do Sisreg, mostra como a ausência de protocolos, a ineficácia dos controles internos e a falta de auditoria sistemática geraram um ambiente em que desvios, privilégios e manipulações se tornaram práticas possíveis — e talvez recorrentes.
Usuários Fantasmas e Logins Sem CPF: o Sistema que Ninguém Fiscaliza.
A auditoria identificou 1.862 logins ativos no Sisreg sem qualquer CPF vinculado. Isso significa que milhares de ações dentro do sistema — como marcação, cancelamento ou alteração de consultas — são realizadas por perfis impossíveis de rastrear. Pior: havia casos de servidores com até 14 logins diferentes, o que permite múltiplas atuações em nome de um mesmo agente.
O cenário se agrava com o fato de que muitos desses acessos estavam associados a pessoas já desligadas da gestão pública, ou que sequer tinham vínculo formal ativo. Em diversos casos, e-mails pessoais e nomes genéricos foram usados para criar perfis de acesso, o que impede qualquer controle institucional.
Vagas de Retorno Usadas como Primeira Consulta
Uma das irregularidades mais evidentes é o uso de vagas de retorno — que deveriam ser exclusivas para o acompanhamento de pacientes já atendidos — para a marcação de primeiras consultas. Essa prática, segundo a CGU, distorce os indicadores de tempo de espera e reduz artificialmente o número de pacientes aguardando na fila. Ou seja: a fila não anda, mas os dados mostram que sim.
Fila Paralela: 69,5% das Vagas São Manipuladas nas Unidades
Apesar de existir uma Central de Regulação para coordenar as marcações, 69,5% das vagas são controladas diretamente pelas unidades de saúde. Na prática, isso significa que servidores com acesso direto ao sistema podem priorizar pacientes sem respeitar a fila oficial.
A CGU identificou que, das 260 unidades auditadas, apenas 16 tinham algum tipo de restrição ou controle formal sobre o uso do sistema. Em todas as demais, a liberdade era total: qualquer pessoa com acesso podia agendar, remarcar ou cancelar atendimentos sem qualquer tipo de justificativa ou rastreabilidade.
Ausência Total de Políticas Contra Absenteísmo
O relatório também revela que cerca de 30% dos pacientes não comparecem às consultas agendadas. Mesmo assim, não existe política de penalização por faltas, nem tampouco qualquer estratégia de overbooking para minimizar o impacto desses vazios. A consequência é direta: vagas são desperdiçadas enquanto milhares aguardam atendimento.
Cadastros Duplicados e Manipulação de Dados
Além das falhas estruturais, a CGU encontrou cadastros de pacientes duplicados — ou seja, um mesmo cidadão inscrito diversas vezes no sistema, em posições distintas da fila. A duplicidade permite, por exemplo, que um paciente seja atendido antes de outros que aguardam há mais tempo, a depender de qual inscrição for usada na hora da marcação.
Esse tipo de anomalia, combinado com o uso de logins fantasmas e a marcação descentralizada, cria um ambiente onde a fila de fato não reflete a fila real. O paciente mais urgente pode ser preterido por alguém com mais acesso ao sistema — ou ao servidor que o opera.
Falta de Monitoramento e Indicadores
A CGU foi enfática ao afirmar que o município não possui nenhum tipo de sistema de monitoramento da efetividade da regulação. Não há metas de tempo de espera, nem indicadores de desempenho por unidade. Tampouco há controle de reincidência ou cruzamento de dados para identificar padrões anômalos. A regulação, em vez de ser um instrumento de justiça no acesso à saúde, opera na penumbra da informalidade.
CGU Alerta para Riscos Graves
Embora não tenha feito recomendações formais no relatório, a CGU deixou registrado que o sistema, tal como se encontra, representa um risco concreto de:
- Inviabilizar o acesso justo à saúde;
- Permitir favorecimentos pessoais ou políticos;
- Abrir margem para clientelismo e desvios de finalidade;
- Gerar desperdício de recursos públicos;
- Comprometer a credibilidade do SUS no município.
Outro Lado
Procurada pela CGU durante a auditoria, a Secretaria Municipal de Saúde de Natal alegou que está em contato com o Ministério da Saúde para viabilizar treinamentos que qualifiquem os reguladores e permitam o uso pleno do Sisreg, uma vez que a cidade nunca recebeu capacitações específicas para o sistema.
Sobre o absenteísmo, a Prefeitura informou estar preparando uma portaria que estabeleça políticas de overbooking para reduzir o impacto das faltas.
Quanto à ausência de metas e indicadores, a SMS afirmou que parte das metas depende da pactuação interfederativa com os demais municípios do estado e que o Sisreg não fornece, por padrão, os dados necessários para esse tipo de acompanhamento.
Em relação aos logins fantasmas e à falta de controle sobre os agendamentos, a CGU destacou que a Prefeitura não se manifestou sobre os questionamentos específicos.
O Que Diz A Atual Gestão
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal informou “que está ciente das denúncias realizadas pelo SINDSAÚDE-RN recentemente com relação a supostas falhas nas atividades de regulação, razão pela qual está acompanhando atentamente os desdobramentos e cooperando com as investigações por parte dos órgãos competentes”.
A Secretaria, conforme o comunicado, também já iniciou, em paralelo, “processo interno de apuração de possíveis incorreções nas atividades regulatórias da Pasta. Além disso, a SMS comunica que a Diretora mencionada na denúncia solicitou desligamento, no que foi atendida, visto que tanto a profissional quanto a gestão entendem que esta é a melhor solução para o esclarecimento do caso.”
Fonte: Blog do Dina
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