O que parecia ser algo restrito a crianças e adolescentes nas últimas décadas atualmente é um rico mercado em expansão e abrindo nichos para jovens e adultos num segmento novo na economia do Rio Grande do Norte. Os jogos de mesa/tabuleiro têm atraído cada vez mais potiguares numa modalidade econômica que se fortaleceu na pandemia de covid-19. Do simples jogo de Aliado, Dominó à Sinuca, ao Banco Imobiliário, War e Catan, o mercado ganhou investimento nos últimos anos, em empresas que já possuem faturamento médio de R$ 60 mil a R$ 120 mil por mês só em Natal.
Uma das empresas potiguares que têm buscado ser referência no segmento é a Vem pra Mesa, sediada em Natal. A empresa funciona desde 2019 e tem como carro chefe os jogos de tabuleiro, com mais de 1.400 títulos disponíveis para aluguel e venda e claro, para jogar no espaço localizado no Shopping Via Direta. Segundo um dos sócios-proprietários do espaço, William Vieira, 35 anos, um dos maiores da América Latina.
Além do acervo, a empresa também direciona seus investimentos e atenções para a elaboração do jogo de tabuleiro propriamente dito. O espaço conta ainda com jogos de boliche, bilhar, bar e hamburgueria. Funcionando como uma editora, a Vem Pra Mesa importa títulos estrangeiros, deixando já na Língua Portuguesa, além de fabricar jogos a partir de ideias. É a única empresa do Norte-Nordeste a fazer jogos.
“Existem pessoas que são adeptas do hobbye, tem uma ideia de um tema específico, eles trabalham uma ou mais mecânicas e aplicam. Muitas vezes essas pessoas vêm com a ideia e temos os game/developers ou às vezes vêm com ideia pronta e protótipo. Analisamos, observamos potencial em nível de mercado e produzimos o jogo, que vem de etapas desde ilustração, designer gráfico para depois ir para a produção em si”, explica. A editora já produziu 20 jogos, de vários estados do Brasil. Os investimentos num jogo “do zero” podem chegar a R$ 200 mil, montante que inclui a formatação da ideia e aplicabilidade no mercado, com prazos variáveis, que podem chegar a quatro anos.
Segundo Willian, o mercado de jogos de tabuleiro vem crescendo no Brasil. Ele define o segmento como “complexo e rico”, com títulos que variam de R$ 40 a R$ 1.500. Os alugueis de jogos variam de R$ 20 a R$ 50. Há ainda a possibilidade de ser mensalista no espaço, com valores que variam de R$ 900 a R$ 1.500.
O professor de história Mariano de Azevedo, 40 anos, é um dos entusiastas dos jogos de tabuleiro. A relação com o brinquedo remonta a meados 2005, mas se intensificou nos últimos anos. Ele conta que o mercado de jogos de tabuleiro tem se tornado cada vez mais complexo e instigante nos últimos anos.
“Há jogos familiares, simples, com mecânica e divertidos, como também jogos de níveis mais estratégicos, lógicos, em que você depende menos da sorte. Alguns jogos têm mais a estratégia no sentido da tomada de decisão, não tanto de regras, mas do que se vai fazer na disputa”, explica.
Mariano se entretém com sua filha, Manuela, 10 anos, e a esposa, semanalmente. Os jogos, segundo ele, estimulam raciocínio lógico e conhecimento histórico nos participantes.
“Com a pandemia, porque as pessoas procuraram mais atividades domésticas para passar o tempo, sem contar que os jogos de tabuleiro, apesar de ser um hobbye, ele tem a questão dos laços sociais, físicos, de se conhecer pessoas. É uma atividade intelectual e cultural. Muitas vezes um jogo bem elaborado estimula você a buscar informações e o uso do raciocínio”, acrescenta.
Outro segmento que tem atraído investimentos é o de jogos clássicos, como Sinuca, Pebolim (Totó), Aliado, Xadrez, Dama, entre outros. Na capital, a empresa Mundo das Sinucas está no mercado há oito anos, com pronta entrega de mesas para o litoral do RN e estados vizinhos, como Paraíba e Pernambuco e até para os Estados Unidos.
“O carro chefe é mesa de sinuca e totó. O Xadrez e Aliado sai bastante, como carteado, ping pong. As madeiras são nacionais, basicamente angelim-pedra e sucupira. A época em que a loja mais cresceu foi na pandemia, porque as familias se recolheram e buscaram os jogos de mesa ate para tirar os filhos do celular. Donos de casas de praia também buscaram muito, ate como forma de se isolarem", comenta o empresário e ex-militar pernambucano Placiton Neves, 55 anos.
Na sua loja, com duas filiais em Natal, Placiton vende mesas de sinucas que variam de R$ 1.900 a R$ 13 mil, no caso das oficiais. Há mesas ainda feitas sob encomenda, com prazos de até 15 dias. No caso de mesas de Aliado/Xadrez, os preços podem chegar a R$ 700. O empresário Placiton Neves conta ainda que fabrica mesas comerciais, visando bares, botecos e hotéis de Natal que lucram com vendas de fichas.
"Temos um perfil de clientes de manutenção muito forte, que são hotéis e condomínios, principalmente na alta temporada. Transformamos tudo nas mesas. O perfil também são mesas mais baratas para casa de praia. Temos uma venda boa para o interior e para o subúrbio que são as mesas comerciais: os bares que querem ter uma renda extra. Uma mesa de sinuca rende na faixa de R$ 500/mês com as fichas. Algumas pessoas compram para alugar as mesas e sai alugando para os espaços", explica.
Expansão
O setor de jogos de tabuleiro está em ampla expansão, segundo especialistas e interlocutores do setor, tornando-se um negócio cada vez mais atrativo e lucrativo. A Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), aponta que o o segmento teve um faturamento de R$ 780 milhões em 2021, referente a cerca de 10% do setor.
Fora do país, o mercado é ainda mais lucrativo. Segundo o Statista, que compila e faz análises de mercado, apenas na Alemanha, a receita do setor foi de 718 milhões de euros em 2020 (R$ 3,9 bilhões no câmbio de hoje) e, desde então, evoluiu cerca de 20%.
“War e Monopoly, por exemplo, são a ponta do iceberg. O universo é muito grande, só em 2022 foram mais de 15 mil títulos em todo o mundo. É algo muito grande e que vem rendendo muito financeiramente no Brasil e cresce a cada ano”, aponta o empresário Willian Vieira.
Torneio reúne amantes de Aliado em Lagoa Seca
De terça a domingo, Carlos Alberto de Souza, o Carlinhos, 76 anos, acende o fogo na churrasqueira, liga a televisão e abre o seu bar, localizado na avenida São José, em Lagoa Seca. Poucos minutos/horas depois, os primeiros clientes chegam e se reúnem para uma prática antiga na rua do bar: o Aliado. O jogo, criado na Segunda Guerra Mundial, atrai curiosos e jogadores até os dias de hoje. Em Lagoa Seca, trimestralmente há um campeonato de Aliado, com prêmios em dinheiro e troféus.
Com uma mesa posta e os escudos de ABC, América, Ceará e Fortaleza, os jogadores se reúnem em duplas e jogam até o bar fechar. “Os meninos jogam aqui há 10 anos. É só a turma mesmo do jogo e os fregueses vem aqui. As mesas são minhas, mas o Aliado (a lona) é dos meninos. Eu só cedo a mesa e empresto, afinal de contas eles gastam aqui no bar e considero uma turma boa. Tem dia que tem mais peru que jogador”, explica Carlinhos, que possui o estabelecimento há 25 anos.
De acordo com Lucas Anderson Mendonça, 28 anos, organizador do campeonato, o torneio existe há alguns anos, mas com ele coordenando, há um ano. O último aconteceu no dia 12 de novembro, reunindo quatro mesas de Aliado e dez duplas. A inscrição era de R$ 100 por dupla e o prêmio de R$ 1.000. A organização retira parte do valor para confecção dos troféus.
"A gente sempre jogava, mas nunca a ponto de fazer um campeonato. Todos gostaram e criei o grupo. De três em três meses fazemos o campeonato. É tradição aqui em Lagoa Seca, é tranquilo, só o pessoal conhecido, às vezes vem gente do Alecrim e até de Morro Branco, mas todas pessoas que conhecemos. Os Aliados pegamos emprestado, junta tudo no dia e formamos as duplas", explica. Lucas, que é vendedor de produtos de telecomunicações, joga desde a adolescência, após insistência e autorização do pai.
Carlinhos, dono do bar, se diverte com os participantes, todos oriundos das redondezas. Coincidência ou não, as primeiras pessoas que jogaram o Aliado em Lagoa Seca, segundo ele, foram dois ex-militares da Marinha. A historia conta que o jogo surgiu justamente no alto mar. “Ele estendiam a lona e jogavam só eles dois. Queríamos jogar, mas mandavam a gente ir embora. Eu era adolescente e diziam, que era jogo de adulto”, lembra. Apesar de estar quase sempre ocupado com os churrasquinhos e servindo clientes, ele se aventura no jogo. “Jogo quando dá para jogar, quando o bar está parado. Só gosto de jogar à vontade”, conclui.
Tradição naval, o Aliado é semelhante ao Ludo. Na Marinha Mercante era chamado de Pitoco, já na Marinha do Brasil passou a chamar Aliado. Servia para distrair os marinheiros durante as longas jornadas marítimas. É jogado em uma lona e com uma cumbuca em couro. Jogando em duplas, o objetivo é que um dos parceiros da dupla deve chegar ao centro do tabuleiro com todas as suas 4 pedras. Em Natal, há relatos de mesas de Aliado no Alecrim, Rocas, Quintas e Ribeira.
Fonte: Tribuna do Norte.
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